
Dez estados e o Distrito Federal subiram ou vão subir o imposto estadual este ano. Especialistas projetam mais inflação e criticam justificativa dos estados para aumento de ICMS com base na reforma tributåria
Presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), JoĂŁo Olenike disse ao Brasil 61 que o aumento das alĂquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em vĂĄrios estados do paĂs pode elevar o tempo que os brasileiros trabalham apenas para pagar tributos no ano.
Desde este mĂȘs, CearĂĄ, ParaĂba, Pernambuco, Tocantins, RondĂŽnia e Distrito Federal praticam alĂquotas de ICMS superiores Ă s do ano passado. AtĂ© abril, Bahia, MaranhĂŁo, ParanĂĄ, Rio de Janeiro e GoiĂĄs tambĂ©m irĂŁo subir o imposto.Â
Em 2023, de acordo com o IBPT, o cidadĂŁo teve que trabalhar, em mĂ©dia, 147 dias â quase cinco meses â para pagar todos os tributos aos cofres pĂșblicos. Segundo Olenike, o crescimento do gasto pĂșblico federal e as revisĂ”es para cima dos impostos estaduais podem pressionar ainda mais a renda das famĂlias brasileiras.Â
“O governo que entrou abriu as portas dos cofres e gastou tudo o que podia e o que nĂŁo podia. Em um ano a gente tem um dĂ©ficit enorme. Para poder compensar esse enorme rombo no orçamento, estĂŁo botando a mĂŁo no bolso do contribuinte. O governo estadual estĂĄ indo na mesma toada. Se vocĂȘ vai ter o aumento de vĂĄrios tributos, obviamente teremos uma carga maior incidente sobre o consumo, patrimĂŽnio e renda. Consequentemente, talvez, aumento no nĂșmero de dias”, explicou.
Olenike disse que o tradicional estudo do IBPT sobre o tempo que os brasileiros precisarĂŁo trabalhar para ficar quites com o poder pĂșblico em 2024 ainda estĂĄ em andamento. Ele lembra que o ICMS Ă© o imposto estadual que incide sobre produtos e serviços e que o aumento da tributação levarĂĄ a uma alta nos preços dos itens no comĂ©rcio.
A medida pressiona os preços para cima, trazendo a tĂŁo temida inflação, diz o economista Lucas Matos. “Isso acaba impactando na inflação, que acaba atingindo o bolso dos consumidores, da gente que vai de repente comprar arroz, feijĂŁo e o prĂłprio combustĂvel. A mĂ©dio e longo prazo isso acaba sendo muito ruim para a população”, diz.
Justificativa
SĂŁo dois os argumentos dos governadores para justificar a elevação das alĂquotas de ICMS. O primeiro deles Ă© a recomposição da receita que, segundo os chefes de Executivo, caiu apĂłs a aprovação de uma lei, em 2022, que limitava a 18% a cobrança do imposto estadual sobre bens considerados essenciais, como combustĂveis, energia elĂ©trica, transporte coletivo e comunicaçÔes.
Olenike lembra que alguns estados cobravam alĂquotas bem superiores a 18% sobre os bens essenciais. Como esses itens representam parte significativa da arrecadação estadual, os governadores alegam que a mudança reduziu a arrecadação. Segundo o ComitĂȘ Nacional de SecretĂĄrios de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), a receita desses entes com ICMS caiu R$ 109 bilhĂ”es apĂłs a nova lei.
O segundo argumento dos estados Ă© um trecho do texto original da reforma tributĂĄria que previa que a arrecadação dos estados com ICMS entre 2024 e 2028 serviria como perĂodo de referĂȘncia para o cĂĄlculo da fatia do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) a qual cada ente teria direito no novo sistema.
Carla Beni, economista da Fundação Getulio Vargas, lembra, no entanto, que o dispositivo nĂŁo consta no texto aprovado da reforma. “O texto foi sancionado e nĂŁo consta esse dispositivo. O que nĂłs temos agora Ă©, literalmente, uma estrutura de muita confusĂŁo no meio de uma decisĂŁo que Ă©, basicamente, fiscal e arrecadatĂłria”, diz.
Para JoĂŁo Olenike, presidente do IBPT, a justificativa dos estados para aumentar o imposto nĂŁo tem fundamento, uma vez que a versĂŁo final da reforma excluiu o trecho. “Essa mĂ©dia dos quatro anos nĂŁo foi aprovada. Caiu todo o argumento dos estados em relação a aumentar de novo a alĂquota do ICMS para 2024. Agora, eles vĂŁo ter que dizer assim: “eu quero mesmo Ă© arrecadar mais'”, afirma.
No ano passado, Rio Grande do Sul, SĂŁo Paulo, Minas Gerais e EspĂrito Santo chegaram a ensaiar a elevação das alĂquotas de ICMS, mas recuaram. Outros, mesmo apĂłs a promulgação da reforma, mantiveram a decisĂŁo de majorar o imposto estadual.
Na contramĂŁo
Levantamento do Brasil 61, a partir de dados do Comsefaz, aponta que um terço das unidades da federação manteve o patamar de ICMS observado em 2022, quando a lei que aprovou a limitação do imposto sobre bens essenciais foi aprovada.
Confira os nove estados onde o ICMS nĂŁo subiu nos Ășltimos dois anos
AmapĂĄ â 18%
EspĂrito Santo â 17%
Minas Gerais â 18%
Mato Grosso do Sul â 17%
Mato Grosso â 17%
Rio Grande do Norte â 18%
Rio Grande do Sul â 17%
Santa Catarina â 17%
SĂŁo Paulo â 18%
Corte de gastos deveria ser primeira opção
Lucas Matos diz que embora o aumento de ICMS pelos estados esteja dentro das regras, os governadores e deputados estaduais deveriam pensar em solucionar a demanda da população por serviços pĂșblicos atravĂ©s da redução de despesas e nĂŁo do aumento de receitas. “Ă Ăłbvio que nĂŁo Ă© a medida mais recomendada, porque a tributação no Brasil jĂĄ Ă© alta. Uma outra forma mais responsĂĄvel de melhorar os cofres pĂșblicos seria no corte de gastos”, recomenda.
Olenike diz, tambĂ©m, que o aumento do imposto nĂŁo significarĂĄ necessariamente o almejado crescimento das receitas desses entes. Como diz a expressĂŁo popular, “o tiro pode sair pela culatra”, uma vez que a elevação dos tributos pode desestimular o consumo e gerar efeito contrĂĄrio ao esperado por governadores, avalia.
“Se vocĂȘ estĂĄ com 19% da sua alĂquota e pĂ”e para 22%, quem Ă© que vai pagar isso? Vai ter que ser embutido no preço do produto. E o produto ficando mais caro para o consumidor final, o que acontece? Existe uma retração do consumo. As pessoas nĂŁo vĂŁo comprar ou vĂŁo comprar menos. Se elas nĂŁo vĂŁo comprar ou vĂŁo comprar menos, diminui o faturamento das empresas, que Ă© a base de ICMS. Ă uma cadeia”, explica.
JĂĄ Carla Beni lembra que a demanda por alguns produtos Ă© inelĂĄstica, o que significa que o consumo nĂŁo cai na mesma proporção que o aumento no preço. Ă o caso de itens como os combustĂveis. “VocĂȘ pode fazer uma certa economia, mas dificilmente deixa de se deslocar. No caso dos combustĂveis, o ICMS, por exemplo, acaba tendo um aumento de arrecadação. HĂĄ que se saber com relação aos outros itens se vocĂȘ vai conseguir ou nĂŁo uma arrecadação no final, mas nĂŁo Ă© algo linear”.
Ela ressalta que nĂŁo existe uma relação direta entre aumento de imposto e aumento de arrecadação.Â
Reportagem: Felipe Moura