
Aniversário, fim de ciclo, início de outros e um poema despido de corpo e alma.
Hoje, em meu aniversário, perguntaram-me se tenho orquídeas, casamento, mesa de centro, roupas de grife, óculos escuros.
Indagações incoerentes, exatamente como os riscos de caneta quase involuntários que faço na palma das mãos e que terminam por manchar minhas roupas mais claras.
Hoje, em meu aniversário, minha medida de tolerância está entre passar pela ponte da praça vazia na madrugada fria e chegar até o observatório da solitude no meu quarto em dia claro.
Uma memória que tem sido furtiva em mim, como se eu pisasse em areia molhada de mar.
De um lado a outro, esta abulia tem dois mistérios: o da poesia e o daquele que a lê, com as devidas interseções.
Daí começo a me despir de pedaços de panos velhos, pra alegria de também velhos amigos.
Não me refiro aqui às roupas neutras dos dias de comemoração.
Falo é de me desnudar do ócio.
Com um pouco de recato, claro, porque hoje, em meu aniversário, discrição é uma questão de conservação.
Bom…dizem que ando mais clássico, chupando drops, ouvindo rock.
Outros dizem que quero ser notado – e não exatamente amado.
Estas tolas vozes que sussurravam caminhos e eu, quase inconsciente, seguia-os claudicante, surfando as notícias de botequim.
Mas o que eu desejo hoje, de verdade, no meu aniversário, é a junção de um certo ar de naturalidade e um punhado de liberdade.
E a esperança declarada do hábito do bom gosto.
Não vou negar que tenho saudade de certa juventude e de mim mesmo assim frugal.
De escrever no amarelado moleskine no parapeito da janela natural.
De alguma essência de paz entre o sopro do dia e o do crepúsculo.
De ser célebre pelo que eu era e não pelo que vestiria.
E de trilhar descoberto, sem conceitos.
Por isso mesmo que hoje, no meu aniversário, estou tirando a roupa toda pra caminhar cantando, pensando nas invenções dos séculos.
Cinema, rádio, smartphone.
Foguete, livro, psicanálise, headphone.
Torpor, amor.
TV, streaming, globalização.
Vida após a morte, comunicação.
Eu tiro a bermuda, tiro a camiseta, eu tiro o conforto e caminho nu.
Se criarem um jeans humanizado e eu perceber que estou, de certa forma, transformado, aí sim, volto a me vestir.
Por enquanto, hoje, no meu aniversário, o presente soa como um país estrangeiro, muito postado em seu terno bem cortado.
E eu sou um homem jovem de algumas décadas, em que a única extravagância é ficar (des)pelado.
O futuro? O futuro pertence exatamente aos homens de alma jovem.
Hoje, no meu aniversário, sou este tempo, desarmado, desafetado.
Vestido tão-somente de mim.
Sem disfarce, sem filtro, espírito nu. E sem fim.
Por: Marco Jardim (@marcoajardim no Instagram)