Pau de arara: a dor que ecoa da ditadura militar até os dias de hoje

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Por Murillo Vazquez
26/03/2025

Publicado em

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Só a memória pode nos impedir de repetir os mesmos erros

Durante a ditadura militar no Brasil (1964–1985), o silêncio era imposto à força. E uma das ferramentas mais brutais dessa repressão tinha nome e estrutura: pau de arara.

Um método de tortura que marcou uma era

O pau de arara não era apenas uma técnica de tortura — era um símbolo do poder autoritário que colocava o corpo como campo de batalha e a dor como instrumento de dominação. Funcionava assim: a vítima tinha os pulsos e tornozelos amarrados a uma barra de madeira ou metal, suspensa entre dois apoios. O corpo era deixado pendurado, muitas vezes de cabeça para baixo, causando tensão extrema nas articulações, asfixia parcial, hemorragias, fraturas e desmaios.

Mas a crueldade não parava por aí. Enquanto pendurado, o torturado ainda podia ser espancado, receber choques elétricos, sofrer queimaduras e ser privado de sono. O objetivo era claro: quebrar física e psicologicamente qualquer resistência.

O silêncio que grita por memória

Reconhecido como crime contra a humanidade, o uso do pau de arara foi denunciado por sobreviventes e por organizações de direitos humanos ao redor do mundo. Ainda assim, muitos dos responsáveis jamais foram punidos — e em alguns discursos atuais, a ditadura ainda é romantizada.

Esse passado não pode ser esquecido. Falar sobre o pau de arara hoje é mais do que lembrar um instrumento de tortura: é um alerta. É sobre reconhecer os perigos de regimes autoritários que eliminam direitos em nome de uma suposta ordem. É sobre resistir a qualquer tentativa de reescrever a história com nostalgia pelo autoritarismo.

Desaparecidos: o outro lado da tortura

Além da dor física, a ditadura silenciou vidas. Muitas pessoas desapareceram sem qualquer processo legal — mesmo sem ficha criminal. Abaixo, uma lista de 10 vítimas reconhecidas como desaparecidas forçadamente, segundo a Comissão Nacional da Verdade (2014):

1. Rubens Paiva – Advogado e ex-deputado. Desaparecido em 1971 no DOI-CODI/SP.

2. Stuart Angel Jones – Estudante e militante. Morto sob tortura em 1971.

3. Fernando Santa Cruz Oliveira – Estudante, preso em 1974 e nunca mais visto.

4. Ivan Akselrud de Seixas – Jovem militante, desapareceu após prisão em 1971.

5. Ana Rosa Kucinski – Professora da USP. Desapareceu com o marido em 1974.

6. João Batista Rita – Sindicalista. Desaparecido após prisão no RJ, em 1974.

7. Edgar de Aquino Duarte – Estudante de medicina. Desaparecido em 1973.

8. Maria Augusta Thomaz – Grávida quando presa, desapareceu em 1972.

9. Luiz Almeida Araújo – Engenheiro. Desaparecido em 1970.

10. Hélio Luiz Navarro de Magalhães – Militar opositor do regime. Desaparecido em 1971.

Todos foram presos por motivação política, sem julgamento formal, e seus corpos nunca foram encontrados.

A dor continua: desaparecimentos hoje

Infelizmente, o desaparecimento não ficou no passado. Mais de 74 mil pessoas desapareceram no Brasil apenas em 2022, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A maioria sem ficha criminal, sem envolvimento com o crime — cidadãos comuns que sumiram e deixaram famílias em desespero.

O Estado oferece ferramentas como o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) e o Sinal Desaparecidos da PRF, que ajudam na busca. Mas a realidade mostra que a negligência com os desaparecidos segue sendo uma constante.

O peso da história, o dever da memória

Eu não escrevo isso apenas para narrar uma técnica de tortura. Escrevo porque acredito que lembrar é resistir. Que toda vez que alguém tenta relativizar a violência institucional, é nossa responsabilidade trazer à tona o que foi vivido — com nomes, com dor, com verdade.

O pau de arara é um fantasma que ainda assombra. Os desaparecidos da ditadura continuam sem sepultura. E os desaparecidos de hoje nos mostram que a história ainda dói.

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Por Murillo Vazquez
26/03/2025 - 01h16 - Atualizado 26 de março de 2025

Publicado em

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Só a memória pode nos impedir de repetir os mesmos erros

Durante a ditadura militar no Brasil (1964–1985), o silêncio era imposto à força. E uma das ferramentas mais brutais dessa repressão tinha nome e estrutura: pau de arara.

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O pau de arara não era apenas uma técnica de tortura — era um símbolo do poder autoritário que colocava o corpo como campo de batalha e a dor como instrumento de dominação. Funcionava assim: a vítima tinha os pulsos e tornozelos amarrados a uma barra de madeira ou metal, suspensa entre dois apoios. O corpo era deixado pendurado, muitas vezes de cabeça para baixo, causando tensão extrema nas articulações, asfixia parcial, hemorragias, fraturas e desmaios.

Mas a crueldade não parava por aí. Enquanto pendurado, o torturado ainda podia ser espancado, receber choques elétricos, sofrer queimaduras e ser privado de sono. O objetivo era claro: quebrar física e psicologicamente qualquer resistência.

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Esse passado não pode ser esquecido. Falar sobre o pau de arara hoje é mais do que lembrar um instrumento de tortura: é um alerta. É sobre reconhecer os perigos de regimes autoritários que eliminam direitos em nome de uma suposta ordem. É sobre resistir a qualquer tentativa de reescrever a história com nostalgia pelo autoritarismo.

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