A “II Feira de Agricultura de Eunápolis”, marcada por um forte embate entre grupos políticos locais, ganhou destaque estadual após uma decisão judicial liberar sua realização mesmo com a negativa da Prefeitura. O episódio reacendeu um debate nacional: até onde vai o poder do Judiciário? E, mais do que isso: quando o juiz ultrapassa os limites do seu papel constitucional?
Contexto político: dois grupos, uma guerra silenciosa
De um lado, o prefeito José Robério Oliveira. Do outro, o grupo liderado por Neto Carletto, aliado da Paradise Eventos, empresa responsável pela feira. A Prefeitura alegou ausência de alvarás e requisitos técnicos; a Justiça liberou o evento a menos de 24 horas da sua realização. O pano de fundo é uma disputa política acirrada, onde a festa se tornou símbolo de um duelo pelo espaço público e pela narrativa eleitoral.
Quem deveria autorizar o evento? A Constituição responde
O artigo 30, inciso I, da Constituição Federal determina que compete aos municípios legislar e agir sobre assuntos de interesse local — como eventos públicos. Cabe ao Executivo, por meio de suas secretarias, avaliar o uso do solo, a segurança, o impacto ambiental e sanitário.
É a Prefeitura quem emite as licenças. O juiz pode, no máximo, controlar a legalidade do indeferimento, mas jamais substituir a análise técnica do Executivo.
Liminar judicial: justiça ou invasão de função?
O juiz concedeu liminar autorizando o evento, alegando “interesse público” e “risco de prejuízo irreparável”. No entanto, desconsiderou pareceres técnicos e documentos exigidos por lei municipal. A jurisprudência do STF é clara:
“É vedado ao Judiciário substituir a Administração no exercício de sua atividade discricionária, salvo em caso de ilegalidade.”
(STF – RE 1240999)
A decisão não apenas ultrapassou esse limite, como escancarou uma ferida institucional: quando decisões individuais de juízes interferem na administração pública, o sistema entra em desequilíbrio.
Projeto de Lei quer frear decisões como essa
O caso de Eunápolis surge no mesmo momento em que o Congresso Nacional discute o Projeto de Lei que limita decisões monocráticas no STF e em tribunais superiores. A proposta quer restringir o poder de um único magistrado de suspender políticas públicas ou atos de outros Poderes, especialmente em caráter liminar.
Esse movimento do Legislativo busca resgatar o equilíbrio entre os Poderes e combater o ativismo judicial, frequentemente criticado por decisões que interferem em políticas públicas sem respaldo técnico ou diálogo institucional.
Quem responde pelos danos se houver erro?Se houver prejuízo ao erário ou à população, o ente público pode ser responsabilizado civilmente, e o Estado pode mover ação regressiva contra o juiz (art. 37, §6º da Constituição) em caso de erro grosseiro, abuso de autoridade ou favorecimento.
A autorização de eventos públicos deve ser técnica, transparente e legal. Quando juízes decidem sozinhos, sem respaldo técnico, por pressão política ou urgência criada, não estão promovendo justiça estão fragilizando a democracia. A separação dos Poderes não é detalhe: é o que impede que a política se torne um jogo sem regras.