
A Bahia ocupa um lugar alarmante no novo mapa da violência no Brasil. De acordo com o relatório “Na Linha de Frente – Violência contra Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil”, elaborado pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos, o estado foi o que mais registrou assassinatos de defensores de direitos humanos entre 2023 e 2024: foram 10 mortes, o equivalente a 18% de todos os homicídios no país nesse período.
O levantamento reforça uma realidade silenciosa e brutal: lideranças indígenas e quilombolas seguem sendo as mais atingidas pela escalada de conflitos em torno de terra e território. Entre as vítimas baianas estão Mãe Bernadete, ialorixá e liderança quilombola executada com 25 tiros dentro de casa mesmo sob proteção do Estado; e Nega Pataxó, professora e liderança espiritual indígena, morta em 2024 durante a retomada da Fazenda Inhuma, em Potiraguá, território reivindicado por seu povo.
Violência ligada à disputa por terra e presença de milícias
O relatório aponta que a luta por terra, território e meio ambiente é o fio condutor da maioria dos casos. As lideranças assassinadas enfrentavam pressões de fazendeiros, empresas e milícias armadas que atuam em áreas rurais. A presença de policiais militares vinculados ao Movimento Invasão Zero, especialmente no assassinato de Nega Pataxó, levanta sérias suspeitas de envolvimento direto de agentes do Estado na repressão violenta a movimentos sociais.
A Bahia também aparece como o segundo estado com maior número total de violações a defensores de direitos: foram 50 casos, ou 10,3% do total nacional, conforme o estudo.
Marco Temporal fragiliza direitos e amplia conflitos
Para especialistas e entidades envolvidas, o cenário tende a se agravar com a aprovação do Marco Temporal (Lei 14.701/2023), que restringe a demarcação de terras indígenas àquelas ocupadas até 5 de outubro de 1988. A medida ignora expulsões forçadas e deslocamentos históricos, e é vista por movimentos indígenas como uma forma de legalizar o esvaziamento territorial dos povos originários.
Sandra Carvalho, coordenadora do programa de Proteção de Defensores/as de Direitos Humanos da Justiça Global, afirma:
“Os casos na Bahia estão fortemente ligados à violência policial, à atuação de milícias rurais e à expansão do narcotráfico nos territórios indígenas e quilombolas. É urgente fortalecer políticas de proteção e enfrentar a violência ligada à terra e ao meio ambiente.”
Liberdade de acusado reacende debate sobre impunidade
A morte de Nega Pataxó teve repercussão internacional. A Justiça Global acionou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a ONU, pedindo que o Brasil investigue e desmonte milícias armadas no campo. No entanto, a recente decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região de manter em liberdade o acusado pelo crime até julgamento reacende o debate sobre a impunidade e a vulnerabilidade de defensores de direitos humanos no país.
Dados gerais do estudo
O relatório documenta 486 casos de violência entre 2023 e 2024. Em 87% das situações, as vítimas atuavam na defesa da terra ou do meio ambiente. Mais da metade dos crimes ocorreram dentro dos territórios ou nas casas das vítimas, e 67% em áreas rurais.
O padrão é claro: armas de fogo, ataques em retaliação à retomada de terras, omissão ou participação de agentes públicos e falhas graves nos sistemas de proteção estatal.
Informações: Myllena Amorim