A decisão dos Estados Unidos de impor uma tarifa de 50% sobre o café brasileiro ameaça provocar uma das maiores reconfigurações já vistas no comércio internacional do setor. O Brasil, maior exportador global do grão, vê-se diante de um desafio que combina diplomacia, estratégia comercial e sobrevivência econômica.
Segundo dados do setor, os EUA absorvem 16% das exportações brasileiras de café — um volume expressivo de aproximadamente 8 milhões de sacas por ano. A sobretaxa, caso seja mantida, pode não apenas comprometer esse fluxo, mas desencadear um efeito dominó na cadeia global de suprimentos.
O redirecionamento dos embarques já está em curso. Países como Alemanha, Bélgica, Japão, Coreia do Sul, China e Austrália ganham força como novos destinos prioritários. A estratégia não é abrir mercados do zero, mas reforçar rotas já existentes. Enquanto isso, exportadores da Colômbia, Honduras e Guatemala devem ocupar o espaço deixado pelo Brasil nos EUA.

“Não se trata de substituir o Brasil nos EUA, ou os EUA para o Brasil. Isso é praticamente impossível. O que veremos é uma distorção temporária e profunda no mercado”, afirma Fernando Maximiliano, da consultoria StoneX.
No curto prazo, o Brasil deve enfrentar uma maior oferta interna de café, pressionando os preços no mercado nacional. Já os consumidores americanos devem sentir o contrário: aumento de preços no varejo. Com uma alta acumulada de mais de 30% nos últimos 12 meses, o café nos EUA pode ficar ainda mais caro.
“O Brasil venderá com desconto. Os EUA pagarão um prêmio. A indústria americana vai perder margem. É um cenário de prejuízo para os dois lados”, resume Maximiliano.
Apesar da tensão, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) aposta na fidelidade dos consumidores ao café brasileiro. “Mesmo com preço mais alto, o consumidor prefere manter a qualidade”, afirma Márcio Ferreira, presidente da entidade.

O governo brasileiro está mobilizado para mitigar os danos. Ministérios e diplomatas trabalham na ampliação da presença do café brasileiro na Ásia e Oceania, com foco especial na China e na Austrália. A missão inclui promoção comercial, ações junto a câmaras de comércio e articulações bilaterais.
Mas o avanço não será imediato. “Reposicionar exportações leva tempo e exige investimento”, pondera Eduardo Heron, diretor técnico do Cecafé.
A situação se agrava com a redução na safra brasileira de arábica, estimada em 38,7 milhões de sacas em 2025 — uma das menores dos últimos anos. O clima instável e a incerteza sobre a próxima florada deixam o futuro ainda mais imprevisível.
Apesar de estar prevista para o dia 6 de agosto, a sobretaxa ainda pode ser revista. Há pressão da indústria americana, com a National Coffee Association pedindo oficialmente a exclusão do café da lista. O secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick, já admitiu que produtos como café, abacaxi e manga estão sob reavaliação.
Se mantida, a tarifa poderá inaugurar uma nova era para o comércio global de café. Se revertida, ainda assim deixará lições sobre vulnerabilidade, dependência e a importância da diversificação comercial.